
Matisse em Baltimore III - The Matisse Stories de A. S. Byatt
A terceira artista da casa, que só no final se revela e é reconhecida como tal, é Mrs. Brown, a funcionária negra da Guiana, o verdadeiro espírito protector e tutelar da casa, o seu totem. Ela acaba por se tornar a personagem central e mais interessante do conto, aliada de Debbie e em constante conflito com Robin. Sheba Brown é descrita como "um génio da justaposição" (Kelly, 59) - ela veste-se de modo surpreendente, usa tecidos floridos, malhas de todas as cores, feitas de restos de lã. Mrs. Brown confecciona a roupa que usa com restos de tecidos e roupas usadas que lhe dão. Quando uma elegante e requintada galerista visita a família Dennison para eventualmente expor a obra de Robin, é Mrs. Brown quem capta a sua atenção e acaba por ser escolhida para expor o seu recém-descoberto "artwork". A família Dennison não fazia ideia de quão pouco ingénua era afinal a arte de tricotar de Mrs. Brown... Sheba Brown pode ser vista como "a recycler of culture, reversing the flow of Western appropriation of the Third World" (Kelly, 58), como recicladora da Cultura Ocidental, retribuindo o gesto ocidental de reciclar a cultura do terceiro Mundo.
Debbie vê, por acaso, a exposição de Mrs. Brown na galeria de arte, transformada numa "cave de Aladino de cores brilhantes" (MS, 77). Mrs. Brown juntou restos de coisas, roupas da família Dennison, um vestido usado de Debbie, uma gravata que Robin deitou fora, para produzir uma arte de forte conteúdo feminista. Os objectos principais desta cave de Aladino são um dragão enorme, meio animal meio aspirador, feito, entre outros materiais, do vestido usado de Debbie, e uma boneca de trapos, acorrentada em soutiens retorcidos e saiotes. Debbie ainda tenta não falar da exposição ao marido, mas Jamie, um dos dois filhos do casal, chama os pais para ver Mrs. Brown na "telly", descrevendo o que vê como bizarro: "Ela tem uma exposição de coisas que parecem os Marretas, com aquela senhora da galeria que veio aqui a casa, venham ver, Pai, que bizarro!" (MS, 81) Como reacção à exposição e arte de Mrs. Brown, Debbie regressa com sucesso à arte da xilogravura que abandonara, e Robin começa a pintar de modo diferente, usando finalmente alguma emoção. Ambos retratam o rosto de Mrs. Brown, Debbie transformando-a em fada boa / fada má, Robin pintando-a como Kali, a deusa hindu da morte, que pode também significar vida nova (Kelly, 59).
O conto sugere que a arte contemporânea é algo também de colectivo, produzida por indivíduos em interacção com outros indivíduos, com a sociedade e com as suas instituições de arte. O artista não produz arte só porque assim quer, mas sim quando a sociedade, através das várias instituições ligadas à arte, galerias, museus, críticos e professores de arte, reconhece esse trabalho como tal.
(a continuar)
Bibliografia:
- Byatt, A. S., The Matisse Stories. NY: Vintage Books, 1996 (no texto como MS, traduções minhas)
- Kelly, K. C., A. S. Byatt. NY: Twayne Publishers, 1996
Texto publicado na PNETliteratura a 3 de Julho de 2009

"Medusa's Ankle" abre com uma descrição do quadro Pink Nude (1935) de Matisse, no texto designado como "Rosy Nude". Susannah, a professora de Linguística que confia ao cabeleireiro, Lucian, a "desintegração" (Byatt, 7) da sua cabeleira de senhora de meia-idade, não só tem os tornozelos inchados, mas também o poder da Medusa, contido já em potência no monumental nu pintado por Matisse no final de uma longa sequência de variantes. Na senda do ensaio de Hélène Cixous sobre o riso de Medusa, Byatt transforma a personagem de Susannah, no final do conto, numa figura afirmativa, positiva e - poderosa (Kelly, 56).
maisons com o conto "Artwork". O misterioso quadro de Matisse é descrito pela voz narrativa que nos introduz no espaço narrativo do conto: um interior que retrata uma mãe e filho debruçados sobre um livro, poisado sobre uma mesa onde há também uma jarra de flores. O insólito do quadro está no facto de as figuras não terem traços fisionómicos, e o livro desmesuradamente grande estar em branco, sem quaisquer caracteres impressos. Mais, todo o interior tem um fundo negro, no qual a custo se distingue o esboço a giz de um círculo em cima de uma haste - um totem? - por cima de uns tijolos. A janela, que ocupa o lado superior direito do quadro, abre para uma paisagem de folhagem e sol, que contrasta com o interior sombrio e estranho e apenas tem afinidade com a jarra de flores e o livro aberto. Interrogamo-nos com a voz que narra: "Quem é o totem que está de vigia por debaixo do tecto?"
dentro um peixe vermelho - com Matisse. O texto é de Retrato em movimento, de 1967, e conta a história do pintor e do peixe vermelho que se transforma em peixe amarelo, depois de passar por mutações negras, ensinando a lição da metamorfose. É que Matisse pintou variações do motivo do peixe vermelho (poisson d'or) em datas diferentes, de 1909 até 1921. No quadro Zorah sur la terrasse, de 1912, o aquário com peixes vermelhos parece estar fora do contexto mas, por ser um motivo recorrente na obra de Matisse e pela sua colocação no canto inferior direito do quadro, funciona como assinatura do pintor. 
