A imagem
A imagem, antes de mais nada. Antes mesmo de explicar o título do presente blogue, queria deter-me na fotografia de Luis Mariano Gonzáles, uma imagem tão bela, que dispensaria comentários, sendo mais apropriado talvez o silêncio face a ela, como modo de comunicação e comunhão com todo o universo que evoca. Quando outro dia procurava uma imagem para "ilustrar" a ideia de "Margem", encontrei a belíssima fotografia a preto e branco de Luis Mariano Gonzáles, "A equilibrista". Este fotógrafo espanhol, cuja obra pode ver-se, p. ex., em Flickr.com, tem uma série de fotografias de Noa, a sua filha, suponho, de um lirismo tocante acompanhado por uma rara qualidade técnica. Quando penso agora um texto, visualizo-o acompanhado pelas para mim já imprescindíveis fotografias de Luis Mariano Gonzáles.
Pensando bem, "Perdida en el país de las maravillas" dá-nos a ver o que Noa - talvez mais crescida - vê à sua frente ao caminhar sobre o muro, mas como que desfocado, flou, ao passo que em "La equilibrista" a víamos de frente e com uma enorme nitidez. O que Noa descobre (e nós com ela) é o próprio movimento, a própria energia, como iniciação na difícil arte de viver - um constante equilíbrio com o sentido de direcção, de caminho, e de altura. Ela dança em cima do muro, mais do que caminha, pela dificuldade do caminho em si, um muro estreito. O efeito etéreo da fotografia deve-se sobretudo (talvez mais ainda do que ao flou da imagem) a esta dança que é o caminhar de Noa um pouco acima do chão.
Decidir fazer um curso de fotografia para criar eu própria imagens para os meus textos é certamente uma boa decisão, mas quando conseguiria uma pequena parte da qualidade de Luis Mariano Gonzáles?
A imagem, ainda. "Perdida no país das maravilhas" chamou-lhe o seu autor, e com razão. Não é só Noa que está "perdida" no mundo da sua infância, também o espectador se perde na maravilha que é esta imagem, olha e torna a olhar sem se cansar, porque a imagem é de uma beleza "intoxicante". É também de uma beleza vertiginosa, pois nos faz mergulhar directamente numa emoção estética de intensidade e velocidade. Luis Mariano Gonzáles conseguiu criar uma Alice-Noa de vestido branco que, pelo fundo azulado da fotografia, continua a ser ainda o vestido azul com que sempre a imaginamos.
Quanto a tê-la escolhido para um blogue sobre literatura e arte, a ligação pareceria óbvia: Lewis Carroll e a sua eterna Alice, o mundo da fantasia e da ficção que evoca sempre e, através dela, os livros. Estar perdida no mundo dos livros, como isso pode saber bem! Mas é mais ainda do que o mundo dos livros, muito mais, pois não houve um único dia neste planeta azul e mesmo nos dias mais difíceis, em que não me tenha sentido perdida ou lançada num imenso mistério de que sou parte integrante mas que não compreendo totalmente... é então a nossa condição humana, e não só a minha condição de comparatista, de alguém que trabalha na área da literatura comparada, que está em jogo quando contemplo esta foto - e de certo modo contemplo-a agora sempre na minha memória, pois passou a fazer parte da minha vida - talvez seja esta a melhor homenagem que posso prestar ao seu autor.