quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Alfred Hitchcock e a psicanálise

Alfred Hitchcock foi, no mínimo, um dos maiores realizadores de cinema de sempre. Ficou célebre como autor de filmes de suspense, a maior parte das vezes - mas nem sempre - ligado a um crime. Esse suspense era criado sobretudo através da iluminação e da música, e de um narrar/mostrar que inclui sempre o espectador como cúmplice no desenrolar da acção. O próprio Hitchcock explicou várias vezes em entrevistas que a sua satisfação como cineasta era conseguir impressionar o público, conseguir que o filme tivesse um efeito no espectador. Definia como a sua área de eleição no cinema o medo, que dividia em duas categorias gerais, o terror, conseguido através da surpresa, e o suspense, induzido pela premonição. Este manipulador de imagens, luzes e sons situou muitas vezes a acção, personagens e ambiente dos seus filmes no âmbito daquilo a que Freud, num decisivo ensaio, chamou "Das Unheimliche", em inglês "The Uncanny", em português aquilo que é estranho, desconhecido, aterrador, misterioso e causa inquietação.

A produção de Hitchcock transcende em muito a recriação em filme do romance policial. Alguns dos aspectos históricos mais marcantes da História do séc. XX atravessam a sua obra, nomeadamente o período da Guerra Fria, caracterizado por uma ordem mundial bipartida, e a espionagem internacional. Disso são exemplo alguns dos seus filmes mais conhecidos, desde o início até ao fim da sua brilhante carreira: The Man Who Knew Too Much (O Homem que Sabia Demais), filmado em 1956 numa nova versão com James Stewart e Doris Day (a primeira versão datava de 1934); The Lady Vanishes (Desaparecida!), de 1938; Notorious (Difamação), de 1946; North by Northwest (Intriga Internacional), de 1959; Torn Curtain (Cortina Rasgada), de 1966; Topaz (Topázio), de 1969 - para citar um pouco de cor aqueles filmes de que melhor me recordo.

Gostaria de chamar hoje a atenção para um grupo de filmes do grande mestre que reflectem uma das correntes de pensamento mais importantes do séc. XX, a psicanálise. São três os filmes nos quais Hitchcock mais directamente se debruçou sobre esta teoria que tanta importância deu ao inconsciente humano: Spellbound (A Casa Encantada), de 1945, Vertigo (A Mulher Que Viveu Duas Vezes), de 1958, e Marnie, de 1964.

Marnie é a história de um caso de cleptomania, Vertigo a história de uma perturbação de medo das alturas, e Spellbound a história de um caso de amnésia. Nenhum destes filmes é um policial clássico, no centro do qual está o desvendar de um crime. Mas já Freud mostrara nos seus escritos sobre psicanálise e nos "Case Studies" sobre histeria como a psicanálise podia ser excitante. A excitação reside no desvendar da mente humana e dos segredos e mistérios do inconsciente. A matriz do romance policial e da análise psicanalítica é semelhante: em ambos os casos se procede do desconhecido para o conhecido, através da análise.

Se bem que Hitchcock estivesse, como realizador, provavelmente mais interessado em criar momentos altos de suspense, a verdade é que se debruçou nestes filmes sobre a psique das personagens centrais: Marnie é a história magistralmente contada de uma jovem, bela e atormentada cleptomaníaca, através do olhar do marido, até ao desvendar da causa da perturbação, uma recordação de infância que fora reprimida devido ao seu carácter traumático. Vertigo, outra obra-prima narrativa, um fracasso de bilheteira na época, foi considerado pelo American Film Institute como um dos 100 melhores filmes de sempre. A personagem interpretada por James Stewart, um detective que sofre de acrofobia, ou medo das alturas, é obrigado pelas circunstâncias a abandonar a sua actividade. Vê-se então enredado numa trama de mistério e sedução, que com grande ironia lhe permitirá curar a sua doença, ao mesmo tempo que o faz perder tragicamente a mulher que ama.

Spellbound, finalmente, é destes três filmes aquele que prefiro, por várias razões. A primeira prende-se com a inversão do lugar-comum da distribuição dos papéis feminino/masculino. Aqui é a personagem masculina, interpretada por Gregory Peck, quem sofre de amnésia, e a personagem feminina, interpretada por Ingrid Bergman, a médica psiquiatra Constance Peterson, quem o ajuda a recuperar a memória. Aprecio também no filme uma sequência do sonho sintomático de John, analisado por Constance, da autoria de Salvador Dali.

Quanto à terceira e mais importante razão desta minha preferência, explicá-la-ei muito em breve no próximo post deste blogue. Para já, aqui fica o trailer do filme: