sábado, 14 de maio de 2011


Ciclo Sur l'écran noir de mes nuits blanches (5) - Boris Vian, "Cinématographe"

É muito mais fácil escrever sobre a música no cinema do que sobre o cinema na música, por razões óbvias: há muito mais que dizer e muito mais exemplos a que recorrer. Mas retomando hoje este ciclo dedicado às duas artes, gostaria de recordar um desses raros exemplos em que a música reflecte sobre o cinema.

A canção "Cinématographe", de Boris Vian, com música de Jimmy Walter, escrita em 1954 e gravada no ano seguinte, pertence a esse grupo. A sofisticada letra, como todas as letras escritas por Boris Vian, conta a história da arte então ainda muito jovem do cinema, através da reacção do público. Desde o cinema mudo, passando pelo sonoro e depois pelo cinemascópio, a importância da sétima arte mede-se pela perspectiva adoptada - narrar o curso de vida como se fosse toda passada numa sala de cinema ("le cinéma permanent"), contando com quem se vai ao cinema nas várias idades, como se reage aos filmes mais populares na época, quem eram os actores dos géneros mais vistos, quais as personagens-tipo, as peripécias narradas no écran, as reacções do público, qual o preço do bilhete, etc. A música, ao estilo de New Orleans, é especialmente adequada à velocidade desta então nova arte, marcada pela mobilidade da imagem, já que é isso o cinema, imagens em movimento.

Não posso deixar de recordar, neste contexto, as primeiras vezes que fui "ao cinema" - tinha 5 e 6 anos e não me lembro nada dos filmes, talvez muito vagamente de um ou outro Charlot, mais porque eram filmes que os adultos achavam que nos iam a nós crianças pôr a rir e o resultado era o oposto, pois o meu primo Pedro Manel, muito solidário, desatava sempre a chorar com pena daquela personagem desajeitada e sempre em apuros... Vivíamos então em Águeda e os meus pais tinham o hábito de ir uma vez por semana ao cinema na Escola Central de Sargentos, eram sessões familiares, de amigos, com aproximadamente 20 a 30 pessoas, e do que melhor me recordo é da máquina de filmar, que estava entre nós, no meio da sala. A minha mãe ainda se recorda dos filmes de que mais gostou, Casablanca e Sabrina, ambos com Humphrey Bogart.


O meu pai teria com certeza, como sempre, inúmeras histórias a contar sobre estas sessões de cinema...

Em contrapartida, recordo-me muito bem da primeira vez que vi um filme num cinema a sério, e do filme que vi, mas isso fica para um próximo post.