A procura da verdade em "La Mise à mort" de Louis Aragon - "Oedipe", o terceiro "Conto da pasta vermelha"
3. O romance Les Gommes de Alain Robbe-Grillet. Paródia do romance policial
Alain Robbe-Grillet resumia assim, nos anos 1950, o seu romance Les Gommes, publicado em 1953: "Trata-se de um acontecimento exacto, concreto, essencial: a morte de um homem. É um acontecimento de natureza policial - quer dizer, há um assassino, um detective, uma vítima. Em certo sentido, os respectivos papéis são mesmo respeitados: o assassino dispara sobre a vítima, o detective resolve o caso, a vítima morre. Mas as relações que os ligam entre si não são assim tão simples. (...) Porque o livro é justamente a narrativa das vinte e quatro horas que decorrem entre o tiro e esta morte, o tempo que a bala demorou a percorrer três ou quatro metros - vinte e quatro horas 'a mais'" (B.M., p. 41). Estas vinte e quatro horas a mais dão, por ex., a tradução do título do romance em língua alemã: Ein Tag zuviel, ou Die Radiergummi.
A epígrafe de Les Gommes aponta, desde logo, para a tragédia grega: "Le temps, qui veille à tout, a donné la solution malgré toi." O crítico Bruce Morrissette aponta, no seu estudo sobre o romance, as semelhanças com o Rei Édipo de Sófocles: o romance tem aquilo que na sua estrutura se assemelha a um prólogo, cinco capítulos que podem corresponder aos cinco actos, e um epílogo. Todos estão recheados de alusões ao Rei Édipo. O destino da personagem principal, um homem que tenta descobrir a identidade de um assassino que é ele próprio, tem origem clara no mito grego. Morrissette enumera ainda outros pormenores que provam a recepção de Sófocles em Les Gommes: a alusão ao enigma da esfinge, o motivo da criança abandonada, os pés inchados de Wallas, e várias alusões ao nome Oedipe.
Robbe-Grillet acentuou neste romance os elementos que ligam Rei Édipo ao romance policial moderno. O crime cometido por Édipo é passado, mas mostrado como presente. Em Les Gommes não há nenhum crime que exista fora da história, nenhum facto que a preceda e que tenha de ser investigado e descoberto. São as vinte e quatro horas do relato que criam essa própria realidade. Robbe-Grillet pronunciou-se em vários escritos sobre esta questão, p. ex. no artigo "Du réalisme à la réalité", no qual se distancia da crítica académica, quer ocidental quer dos países à época comunistas, por empregarem a palavra "realismo" como se a realidade fosse um dado adquirido quando o escritor entra em cena. O papel deste seria assim apenas explorar ou exprimir a realidade da sua época. Ou ainda no artigo "Temps et description dans le récit d'aujourd'huit", afirmando que a obra não é um testemunho sobre a realidade exterior, mas sim ela mesma a sua própria realidade (ambos os textos em Pour un nouveau roman, 1963).
O problema que preocupa Robbe-Grillet é o mesmo tema de fundo de "Oedipe", ainda que a forma e as soluções apontadas pelos dois escritores sejam diferentes. Robbe-Grillet dá ao problema a dimensão da arte moderna: "O verdadeiro, o falso e o fazer-de-conta tornaram-se mais ou menos o assunto de toda a obra moderna. Em vez de ser um pedaço de realidade a fingir, a obra de arte moderna desenvolve-se como reflexão sobre a realidade (ou sobre o pouco de realidade, como se queira). Já não procura esconder o seu carácter necessariamente mentiroso, apresentando-se como uma história vivida." (PuNR) Atente-se nos paralelos com a concepção de Aragon em La Mise à mort da arte narrativa como jogo de "Let's pretend" ou como "Mentir-Vrai". Trata-se, assim, da acentuação do poder singular da literatura e do seu efeito. Ambas as figuras de Édipo, a clássica e a de Robbe-Grillet, são provas da arte de persuasão do "récit". O real e o imaginário estão aí indissoluvelmente ligados. O romance de Robbe-Grillet L'année dernière à Marienbad, do qual resultou, em colaboração com Alain Resnais, o filme com o mesmo nome (1961), seria disto o exemplo acabado. Todo o filme é a história de uma persuasão, o herói vai criando uma realidade através da palavra. O poder especial da narrativa em Rei Édipo é acentuado por Gérard Genette, que argumenta que se Édipo pôde fazer aquilo que todos apenas desejam, é porque um oráculo contou antecipadamente que ele um dia mataria o pai para casar com a mãe: "sem oráculo, não haveria exílio, nem Édipo estaria incógnito, não haveria parrícidio nem incesto. O oráculo do Rei Édipo é uma narrativa metadiegética no futuro, cuja enunciação vai desencadear uma 'máquina infernal' capaz de o realizar. Não é uma profecia que se realiza, mas antes uma armadilha em forma de narrativa, e que resulta."
(a continuar)
Imagem e créditos: Alain Robbe-Grillet (enjoyfrance.com)
Bibliografia secundária seleccionada:
Alain Robbe-Grillet, Pour un nouveau roman. Paris, 1963
Bruce Morrissette, Les romans de Robbe-Grillet. Paris, 1963
Gérard Genette, Figures III. Paris, 1972