Um dos primeiros autores a escrever sobre a faceta analítica do Rei Édipo de Sófocles foi Schiller. Segundo ele, esta tragédia é a recapitulação daquilo que já tinha acontecido quando a peça começa e, não podendo ser modificado, é analisado no decurso da acção. Aproximámo-nos gradualmente da questão central tratada no conto "Oedipe", que tinha já sido aflorada em Rei Édipo e Les Gommes: a realidade da literatura, a liberdade individual e o determinismo são temas que estão aqui intimamente ligados, tal como na tragédia de Sófocles e em Macbeth de Shakespeare. Podemos agora compreender o texto em epígrafe, uma citação do poema "In lieblicher Bläue..." de Hölderlin: o que falta a Oedipe é o direito a escrever a sua própria história, a sua própria vida. O início do conto mostra que o problema central não é aqui o assassínio - as estruturas do romance policial apenas têm significado pela sua ausência, tal como a "carta roubada" de E. A. Poe. Estas estruturas apenas estão presentes em "Oedipe" como um estratagema para mascarar e esconder o tema central do conto: a dignidade e o sentido da literatura, que não podem residir em ser cópia ou reprodução da realidade, como se fossem um "texto reescrito".
A rejeição de um destino pré-determinado corresponde em "Oedipe" à ausência do enigma. A esfinge não faz a Oedipe perguntas ameaçadoras, como no mito clássico (Édipo tem de decifrar o enigma ou morrer), e está em processo de decomposição. A procura da verdade, que no mito de Édipo corresponde ao decifrar do enigma da esfinge, poderá compreender-se neste terceiro "Conto da pasta vermelha" dentro do contexto intertextual.
A recepção do mito de Édipo torna-se clara nesta narrativa de Aragon através da recepção do romance de Robbe-Grillet Les Gommes. Robbe-Grillet transformou a história de Édipo num romance policial. Muitos dos elementos que tinham sido identificados pelos críticos como alusões ao romance da juventude de Aragon Anicet ou le panorama. Roman tornam-se compreensíveis através da mediação de Les Gommes. Robbe-Grillet desenvolveu a faceta policial do mito de Édipo e chamou a atenção na sua história policial para a relação entre a literatura e a realidade. Aragon volta a tratar em "Oedipe" problemas semelhantes, mas recusando a realidade intratextual acentuada por Robbe-Grillet. Neste contexto surge uma narrativa na qual os diferentes elementos do romance policial são utilizados a negativo. "Oedipe" é assim um modelo do género, já que não se sabe quem foi morto nem por quem. Ao passo que normalmente numa narrativa policial se procura o assassino, aqui é o hipotético assassino quem procura a vítima, o motivo, etc. O assassino não sabe quem é que assassinou, nem o motivo ou o local do crime, nem tem a arma.
Todas as expectativas do leitor em relação à tensão criada no romance policial são frustradas desde o início. O assassino nem sequer é um assassino autêntico, é apenas hipotético, e o leitor pode ler todos os seus pensamentos que andam à volta do problema da ausência dos elementos já enumerados. Todas as hipóteses que Oedipe formula acabam por se revelar falsas (o crítico Delf Schmidt interpreta-as como uma paródia das "cenas falsas" do "Nouveau Roman"). O mito de Édipo, que no seu significado mais profundo é tomado a sério, é parodiado no que respeita a pormenores. O Oedipe de Aragon usa óculos escuros, está cego desde o princípio do conto, procura uma vítima como maneira de recalcar a lembrança de ter assassinado o pai, chama-se Eddy, etc. O autor comenta no texto que nada disto tem qualquer verosimilhança. Assim, a paródia simultânea do mito de Édipo e do romance policial no terceiro "Conto da pasta vermelha" apontam para a mediação do romance Les Gommes de Alain Robbe-Grillet.
(a continuar)
Imagem e créditos: Alain Robbe-Grillet (halfaya.org)