sábado, 3 de julho de 2010













A procura da verdade na arte em "La Mise à mort de Louis Aragon - "Oedipe", o terceiro "Conto da pasta vermelha"

O sentido da narrativa de "Oedipe" reside na ausência dos elementos característicos do romance policial, criados pelo autor e esperados pelo leitor. Todas as expectativas do leitor são frustradas desde o início do conto - em consequência, tem de procurar o sentido da narrativa fora do quadro tradicional do romance policial. É nesta busca, que faz de "Oedipe" uma obra-prima da reflexão metaliterária, que se constitui o sentido do texto. Este corresponde ao sistema da "carta roubada" de E. A. Poe, que está presente como sinal da sua ausência. Em "Oedipe" são rejeitadas duas concepções de literatura: literatura como mera cópia da realidade, mas também a literatura que se entende como criando a sua própria realidade, imanente a si própria e independente de qualquer outra realidade. A inclusão do leitor aponta para a verdadeira problemática do conto: trata-se em "Oedipe" do efeito ("Wirkung") da literatura. Esta questão da realidade da literatura liga-se à questão política da crítica ao culto da personalidade (esta crítica é acentuada por Delf Schmidt como crítica também à concepção dogmática do realismo socialista). Aragon critica aqui também uma concepção demasiado estreita de "contemporaneidade" na literatura e arte por não deixar, em sua opinião, espaço para a invenção, antecipação e descoberta. Acentua, no entanto, que a designação "literatura contemporânea" é uma tautologia, pois todos os textos se referem, em última análise, à contemporaneidade, ao presente.



Aragon coloca em "Oedipe" a questão do efeito da literatura, questionando simultaneamente a relação da literatura com a realidade. O texto pergunta como se poderia estimular a participação do leitor no acontecer textual - tanto mais interessante se torna assim a reacção dos críticos, ao interpretar "Oedipe" como a narrativa de um louco. Aquilo que se critica com esta paródia do romance policial é a concepção da vida humana como absurda. Rei Édipo e Macbeth são os exemplos mais acabados desta mundivisão. No "Terceiro conto da pasta vermelha" criticam-se tanto o "acto gratuito" de Gide como o entendimento de Camus de "absurdo". Pois o que seria a vida de alguém cujo curso de vida estivesse predeterminado, a não ser uma história absurda, "a tale / Told by an idiot, full of sound and fury, / Signifying nothing." Aragon tenta fazer com que a sua personagem dê um sentido ao mundo que habita e à sua própria existência, formulando deste modo em "Oedipe" a tese do anti-fatalismo.



No mito clássico, a verdade é equiparada a uma predeterminação, a uma fatalidade inelutável, através do enigma da esfinge e do oráculo de Tirésias. Em "Oedipe", Aragon distancia-se desta predestinação e fatalismo. O "acto gratuito" de André Gide é uma primeira tentativa de afastamento do mito, da predeterminação, mas apenas como pura negação. O "acte gratuit", como oposto extremo do mito, não produz mais nada a não ser um outro mito, o da liberdade individual, ou da ilusão desta liberdade. Em Albert Camus o mito é reconstruído com base na pergunta humanista do que deve o ser humano fazer numa época que é, ela mesma, um mito. O mundo é aceite, apesar de ser um mito. As concepções de "acto gratuito" (Gide) e de "absurdo" (Camus) não constituem para Aragon uma solução, em vez disso ele propõe uma desconstrução do mito. A dimensão de texto aberto de "Oedipe" (um texto que implica mais activamente o leitor na constituição de sentido) coloca o leitor num novo espaço de tensões e liberta-o de uma verdade predeterminada, sem no entanto lhe propor uma solução. O leitor é que terá de se libertar do mito (também do culto da personalidade), pois o texto exige a maioridade do leitor. O romance psicológico é igualmente criticado, porque o autor conhece a "verdade" e se limita a descrever o decurso da acção. O romance de juventude de Aragon Anicet ou le panorama. Roman e o período surrealista funcionam, neste contexto, como uma primeira tentativa de libertação de clichés e convenções na prática ficcional.



(a continuar)




Imagens e créditos: Albert Camus (http://www.literatur-nobelpreis.de/), André Gide (http://www.myspace.com/)