A procura da verdade na arte em "La Mise à mort" de Louis Aragon - "Oedipe", o terceiro "Conto da pasta vermelha"
O resultado da procura em "Oedipe" - a interferência de Anicet - permanece no domínio intra-textual: Oedipe encontra o crime que cometera na descrição feita por Anicet do assassínio do Professor Omme (esta figura representava Paul Valéry), e censura-se a si próprio pela falta de originalidade. O conto afirma deste modo os direitos da invenção na arte e mostra simultaneamente a sua insuficiência. Por um lado, reconhece-se o papel da fantasia, da hipótese, por outro lado rejeita-se a "fantasia pura", i.e., a fantasia desligada da realidade. Esta rejeição da procura dos sentidos na imanência do texto ou da arte mostra, de forma semelhante, a colagem Oedipe de Max Ernst, de 1931. Os surrealistas desenvolveram novas relações entre as artes, nomeadamente entre a poesia e a pintura, através da sua teoria da imagem. O interesse pela pintura é uma constante da obra de Aragon, desde o texto que escreve para a exposição de Max Ernst La peinture au défi, de 1930, passando pela personagem de Géricault no romance La semaine sainte, até à obra de maturidade Henri Matisse Roman. Max Ernst veio para Paris, deixando o movimento Dada de Colónia, e ajuda a escrever a história do surrealismo na área da pintura e artes gráficas com um dos mais originais contributos para a destruição da obra de arte individualista e orgânica (vd. Barck).
Aragon teria bem presente, com toda a probabilidade, esta colagem de Max Ernst ao escrever "Oedipe", o "Terceiro conto da pasta vermelha". Werner Spiess comenta sobre a colagem de Max Ernst que a confrontação mítica entre Édipo e a esfinge é transformada num só ser. Se tomássemos como ponto de partida nos quadros de Ingres ou de Moreau a antinomia dos géneros, poderíamos concluir agora que essa antinomia é substituída pela ficção andrógina. Mas penso que vale a pena compreender a colagem de Max Ernst num outro contexto: ao reunir pergunta e resposta num só ser, cria um símbolo para a sua obra, que não apela a ser decifrada como enigma, já que a pergunta, cuja resposta se procuraria, falta, não existe. É evidente o paralelismo com o aforismo de Wittgenstein ("Para uma resposta que não pode ser formulada, não pode igualmente formular-se a pergunta"), de que este ser andrógino parece ser uma ilustração. É que o sentido conhecido, o significado, do qual se parte para a formulação / invenção do enigma, é inexistente.
O mesmo acontece em "Oedipe", no qual está ausente um sentido imanente ao texto - apenas lá está pela sua ausência, e tem de ser criado pelo leitor no acto da leitura. Assim são ultrapassados quer a transcendência, quer o sentido trágico e absurdo da existência humana. Perspectivada de modo crítico é também a tendência surrealista para conceber a vida como enigma metafísico. Anicet distancia-se também quer do "acte gratuit" de Gide, quer do conceito de "absurdo" de Camus. Werner Spiess interpreta a colagem de Max Ernst como "alegoria da ontologia do factual" - este ser siamês constituído por pergunta / resposta é uma figura que impede a fuga em direcção a uma interpretação hermética ou de cariz religioso.
Quer a colagem de Max Ernst, quer o conto de Aragon surpreendem e chocam o leitor e estimulam-no deste modo distanciador a pensar mais além. O resultado intra-literário da procura em "Oedipe" não é suficiente e tem de ser colocado, para ser compreendido, num contexto extra-literário. Recorde-se o final de Anicet: Anicet não consegue estabelecer uma relação com Mirabelle. A hipotética "solução" oferecida em ambos os casos é determinada negativamente no texto / quadro e precisa de ser desenvolvida de modo positivo pelo leitor na esfera extra-textual.
Nota final da autora: a sequência de textos que tenho vindo a apresentar neste blogue baseia-se num dos capítulos da tese que preparei de 1980 a 1983 e defendi em Abril de 1984 na Universidade Humboldt de Berlim, intitulada Aragons La Mise à mort und die Rezeption romantischer Motive. Os meus orientadores foram o Prof. Manfred Naumann, da então "Akademie der Wissenschaften", a Prof. Rita Schober e o Prof. Siegfried Streller, da Universidade Humboldt. Bibliografia seleccionada
Karlheinz Barck, "Differenzierung der Beziehungen zwischen künstlerischer und politischer Avantgarde. Blickrichtung: französischer Surrealismus". In: Künstlerischer Avantgarde. Berlin, 1979
Werner Spiess, Max Ernst - Collagen. Inventar und Widerspruch. Köln, 1975 (2ª edição)
Créditos das imagens:
Max Ernst, Das Innere der Sicht (Oedipus), 1931, http://www.derkunstblog.blog.de/