sábado, 10 de julho de 2010



A procura da verdade na arte em "La Mise à mort " de Louis Aragon - "Oedipe", o terceiro "Conto da pasta
vermelha"
4. - A interferência de Anicet em "Oedipe". O resultado da procura: a alusão intratextual
Roger Garaudy sublinha, na biografia Aragon - Une vie à changer, a unidade da obra do autor e, simultaneamente, o contrário, o movimento perpétuo desta obra multifacetada. No que respeita à interferência de Anicet ou le panorama. Roman em "Oedipe", haveria a investigar os elementos comuns que ligam os dois textos (as constantes na obra de Aragon); e a mudança de função do primeiro texto no texto mais tardio. Trata-se de conseguirmos seguir a unidade dialéctica da obra de Aragon e considerar os textos no conjunto da obra, mesmo quando a evolução do autor parece contraditória. Garaudy acentua esta necessidade de compreensão dialéctica da obra de Aragon, afirmando que as criações da juventude só revelam verdadeiramente o seu sentido quando se descobre nelas, em estado embrionário, a concepção de mundo que se desenvolve na obra da maturidade. Que Aragon regresse a Anicet em "Oedipe" não significa que o autor negue a sua evolução e procure refúgio nessa obra de juventude. Sendo La Mise à mort também uma autobiografia literária, trata-se mais do desejo de retomar uma etapa de desenvolvimento antiga que tinha sido interrompida de modo abrupto, e assim compreender um percurso artístico aparentemente contraditório. Este regresso não acontece como mero retomar do estilo e temática de Anicet, mas no registo de superação (síntese).
"Oedipe" está, quer estilistica quer tematicamente, muito próximo de Anicet - basta pensar-se na atmosfera parisiense e nos traços de romance policial, que partilham. Aragon usou em ambos os textos técnicas narrativas do filme e do romance policial. Os críticos acentuaram estes traços, por ex. "o estilo pele-vermelha", "o estilo western e vamp", "o estilo Nick Carter", e observam que o texto descreve muitos episódios de modo tão preciso, que seria possível filmá-los com base no texto; e enumeram técnicas do filme usadas por Aragon, tais como "montagem", "multiplicidade dos pontos de vista", "compressão e dilatação do tempo", "ralenti", "anotações de luz", "gosto pelo visual". A utilização destas técnicas narrativas, próprias do filme e do romance policial (que Aragon tinha fundamentado teoricamente nos ensaios "Du décor" e "Du sujet" em 1918-1919), significa em Aragon uma crítica a formas de representação naturalistas e uma procura de novas formas de produção estética. Estas novas formas deveriam transmitir o "maravilhoso quotidiano". Os surrealistas distanciam-se, assim, do conceito de obra de arte individualista e do estatuto autónomo da arte na sociedade burguesa. Conceitos narrativos básicos como autor, obra, leitor, vão assim sofrer uma modificação radical.
Mesmo ultrapassando a questão de saber se Anicet pode ou não considerar-se um romance (Aragon explica o título através da aliteração "... orama. Roman"), o mais importante texto de Aragon desta fase é uma "declaração de guerra" à concepção de romance então vigente. Apesar da crítica ao romance tradicional, Aragon distancia-se de Breton, que rejeita o romance como género formal. Anicet não segue as convenções do romance psicológico nem as fórmulas preestabelecidas de construção da intriga, criticando os "livres à formules". Uma das grandes constantes da obra de Aragon é, como vemos, esta permanente reflexão sobre o romance, que em Anicet e La Mise à mort toma a forma de uma crítica a formas tradicionais, "petrificadas", do género épico. Por outro lado, Aragon sempre se recusou a aceitar a divisão dos géneros literários, pois todos eles partilham, em sua opinião, da natureza da Poesia, a produção do Maravilhoso.
(a continuar)
Créditos da imagem: http://www.marxists.org/