domingo, 3 de abril de 2011





Lendo poesia - Vasco Gato



um dizer ainda puro


imagino que sobre nós virá um céu

de espuma e que, de sol em sol,

uma nova língua nos fará dizer

o que a poeira da nossa boca adiada

soterrou já para lá da mão possível

onde cinzentos abandonamos a flor.


dizes: põe nos meus os teus dedos

e passemos os séculos sem rosto,

apaguemos de nossas casas o barulho

do tempo que ardeu sem luz.

sim, cria comigo esse silêncio,

que nos faz nus e em nós acende

o lume das árvores de fruto.


diz-me que há ainda versos por escrever,

que sobra no mundo um dizer ainda puro.



In: Um Mover de Mão, Assírio e Alvim, 2000

Vd. comentário ao poema de Vasco Gato no post anterior